quinta-feira, 16 de maio de 2013

Citações #24

«Na claridade do primeiro alvorecer, levantou-se. O céu estava muito limpo, transparente até às últimas e pálidas estrelas. Era um bonito dia para entrar em Lisboa, com bom tempo para lá ficar ou continuar viagem, logo veria. Meteu a mão ao alforge, tirou as botas arruinadas que em todo o caminho do Alentejo nunca calçara, e calçasse-as ele nesse mesmo caminho teriam ficado, e pedindo à mão direita habilidades novas, com o frouxo amparo que o coto, ainda em primeira aprendizagem, podia oferecer, conseguiu acomodar os pés, se pelo contrário não ia sacrificá-los em bolhas e roeduras, tão antigo era o hábito de andarem descalços, em sua vida de paisano, ou, no tempo militar, quando a impedimenta nem para jantar tinha sola, quanto mais para as botas. Não há pior vida que a do soldado.»

Memorial do Convento, José Saramago

A-ver-letras #2


Chegou a desejada hora do regresso a outra obra de José Saramago. Desta vez será O Memorial do Convento

A-ver-letras #1


Esta é a Ikushima Library, desenhada pelo Atlier Bow Wow, em Kokubunji, Tokio - Japão. Para verem mais imagens desta magnífica casa-livro cliquem aqui.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Kanikosen - Takiji Kobayashi




Título: Kanikosen - O Navio dos Homens 
Autor: Takiji Kobayashi
Nº de Páginas: 162
Editora: Clube do Autor

Sinopse: « «Vamos até ao inferno.» Começa assim a história do Hakko Maru, um pesqueiro que parte para a faina nas águas gélidas do Kamchatka, e da sua tripulação: um grupo diversificado de lobos-do-mar curtidos e arruinados pela bebida e pelas mulheres, estudantes universitários em dívida com o Estado e camponeses pobres à beira da inanição.
Enquanto o vento morde a coberta e a neve transforma os barcos em espectros, o patrão da expedição pesqueira força os tripulantes a trabalhar até ao esgotamento e aplica-lhes castigos brutais, se se atreverem a protestar. A pouco e pouco, espalham-se as sementes da revolta e, apesar das embarcações da marinha imperial que patrulham a região para manter a ordem, rebenta o inevitável motim.
Kanikosen - O Navio dos Homens é um clássico da literatura japonesa. Foi publicado pela primeira vez em 1929 e alcançou recentemente um espectacular ressurgimento internacional que o levou às listas dos livros mais populares, com mais de um milhão e seiscentos mil exemplares vendidos, uma vez que os leitores modernos se identificaram com as humildes personagens que protagonizam este romance.»

Este é um daqueles livros que carrega consigo uma bagagem enorme, pela repercussão que a publicação de obras com tanto impacto fazem arrastar.  Neste Navio dos Homens - obra de grande importância no país do sol poente e que levou o seu autor a ser reconhecido como o mais revolucionário dos escritores nipónicos - é-nos dada a conhecer uma realidade ao nível laboral não muito distante da dos tempos da escravatura propriamente dita. Trata-se de um relato cru, numa narrativa simples e linear, envolta numa mescla de sopa literária que me agrada bastante; personagens humildes,  uma voz narrativa solitária e omnipresente e uma mensagem forte q.b para ofuscar os olhos ao leitor mais desprevenido.
Tal como aconteceu em outros casos, Kobayashi sentiu na pele as consequências do papel que escolheu interpretar, que mais não foi que o de delator. Em 1930, ano seguinte à publicação da sua obra-prima, Kobayashi foi várias vezes detido pela polícia e acusado de actividades subversivas, passando desde então a escrever sob pseudónimo. Membro assumido do Partido Comunista com participações em greves de trabalhadores e revoltas de camponeses, acabaria por ser mais uma vítima do longo braço da lei. Detido pela polícia num dia, declarado morto no dia seguinte fruto da brutalidade policial.
Não deixa de ser irónica a forma como, quase um século depois, este romance simples ressurge do quase-nada e toma de assalto os escaparates um pouco por todo o mundo. Acontecimento que na minha opinião se deve ao facto de os leitores se identificarem com os pobres operários, marinheiros e pescadores nas suas escassas condições de trabalho.
Uma obra intemporal muito poderosa, que merece ser colocada lado a lado com outras grandes obras da literatura mundial.

sábado, 11 de maio de 2013

Citações #23

«Perder cinco ou seis homens não tem qualquer importância, mas seria uma pena perder os botes.»

Kanikosen - O Navio dos Homens, Takiji Kobayashi