Citações

#1

«Assim, quanto mais pensava mais coisas esquecidas ia tirando da memória. Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia poderia sem custo passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se maçar.» 


O Estrangeiro, Albert Camus

#2

«Sua vida era uma vida desgraçada de menino abandonado e por isso tinha que ser uma vida de pecado, de furtos quase diários, de mentiras nas portas das casas ricas. Por isso na beleza do dia Pirulito mira o céu com os olhos crescidos de medo e pede perdão a Deus tão bom (mas não tão justo também...) pelos seus pecados e os dos Capitães da Areia. Mesmo porque eles não tinham culpa. A culpa era da vida.»
Capitães da AreiaJorge Amado

#3

« - Gosta do mar, capitão.
   - Sim! Amo-o! O Mar é tudo! Cobre sete décimos do globo terrestre. O seu ar é puro e sadio. É o imenso deserto em que o homem nunca está só, porque sente a vida por todos os lados. O mar não é mais que o veículo duma existência sobrenatural e prodigiosa; não é mais que movimento e amor; é o infinito vivo, como disse um dos vossos poetas.»
20 000 Léguas SubmarinasJúlio Verne

#4

«Tenho uma gaveta cheia de relógios, quase todos oferecidos por um pai que nunca chega a horas...»
A Lua de JoanaMaria Teresa Maia Gonzalez

#5

«Todos eles tinham desempenhado os seus respectivos papéis muito bem. Conseguiram enganá-lo o tempo todo. Contudo, falharam apenas numa única coisa: não o tinham matado. E agora era a sua vez.»

Seis Campas até Munique, Mario Puzo

#6

«BurkinaFaçam só anda de motorista, porque ele vai de lado, na cadeira especial dele, lhe vês de fora nem dizes que é anão, póster do gajo que ele arranjou pra se fazer nas damas mesmo de dentro da viatura, janela dele do xaxo - Romeu das julietas impressionáveis no ruca dele.»

Quantas Madrugadas Tem a NoiteOndjaki

#7

«Aproveito para fazer um parêntesis. (Ainda bem que não tenho amigos estrangeiros. Bem, conheci um indiano na Almirante Reis. Emprestei-lhe vinte cêntimos para desencravar uma unha e em quatro meses tinha uma cadeia de lavandarias, a 20 à sec...).»

Isto é ComédiaFernando Bilé

#8

«Artur, desculpando-se com os afazeres, abandona o local do mexerico.A luminosidade matinal provoca-lhe um ardor na próstata. Tenta apanhar um táxi que o leve dali. Faz sinal a um velho Ford Cortina, que tem um corta-unhas a balouçar no espelho retrovisor. Só depois se lembra dos módulos de autocarro que comprou no dia anterior. Este curioso hábito, repetido todos os dias, faz dele um dos principais inimigos dos taxistas, que o insultam sempre que o reconhecem. Isto quando não o perseguem com os carros por cima dos passeios e lhe atiram van-tans fritos e velhas pistolas de alarme (vermelhas ou rosas de acordo com o batôn dos taxistas).»

Isto é Comédia, Fernando Bilé

#9

«O meu problema foi sempre o oposto. Pelo menos até há poucos anos. Vivi muito tempo demasiado disponível. Demasiado pronto a experimentar um bocado de tudo. Queria estar em toda a parte ao mesmo tempo e tinha inveja de toda a gente que estava noutro lugar qualquer. Um bocado como os velhos que têm saudades da ditadura só porque na altura ainda eram novos...»

O Bom Inverno, João Tordo

#10

«Olhei em volta; vi o silêncio do bosque e a lisura do lago. Nada naquele lugar sugeria morte e, no entanto, ela era a presença dominante, uma espécie de rumor vindo das águas e das montanhas de Sabaudia que cedo se transformaria numa tempestade. Nada daquilo era plausível, nada daquilo parecia real; e, no entanto, era tão verdadeiro como o chão arenoso debaixo dos nossos pés.»

O Bom Inverno, João Tordo

#11

«Que grande dor de cabeça!... Que peso medonho na arca do peito!... E o corpo mole, sem acção...
Aí vinha a patroa nova observar o andamento daquilo...
Fechou os olhos. Sempre gostava de ouvir o que diria quando o visse como morto...
Ela chegou-se e ficou silenciosa.
Por uma fresta das pestanas espreitou-lhe a cara. Chorava. Desceu novamente as pálpebras, feliz.
E à noite, quando o luar dava em cheio na telha-vã da casa, e os montes de S. Domingos, lá longe, pareciam ter já saudade das suas patas seguras e delicadas, quando o cheiro da última perdiz se esvaiu dentro de si, quando o galo cantou a anunciar a manhã que vinha perto, quando a imagem do filho se lhe varreu do juízo, fechou duma vez os olhos e morreu.»

Bichos, Miguel Torga

#12

«A gente entende pouco do semelhante. Cada um de nós é um enigma, que a maior parte das vezes fica por decifrar.»

Bichos, Miguel Torga

#13

«Nunca mais esqueci a lição de John Maynard Keynes sobre o conceito de valor marginal: por exemplo, como varia o preço de uma garrafa de água num deserto ou perto de uma cascata. Assim, naquele Verão, a iniciativa italiana entregava garrafas próximo das fontes, enquanto o empresariado chinês edificava nascentes no deserto.»
Gomorra, Roberto Saviano

#14

«Esta consciência de samurais liberais, que sabem que se paga para ter o poder, o poder absoluto, encontra-se sintetizada numa carta de um rapazinho encerrado numa prisão de menores, uma carta que entregou a um padre e que foi lida durante uma reunião. Ainda me lembro dela. De memória:
Todos os que conheço ou estão mortos ou estão presos. Eu quero tornar-me um boss. Quero ter supermercados, lojas, fábricas, quero ter mulheres. Quero três carros, quero que me devam respeito quando entro numa loja, quero ter armazéns em todo o mundo. E depois quero morrer. Mas como morre um  verdadeiro, um que comanda realmente. Quero morrer assassinado.»

Gomorra, Roberto Saviano

#15

«De modo que quando embarquei para Angola, a bordo de um navio cheio de tropas, para me tornar finalmente homem, a tribo, agradecida a Governo que me possibilitava, grátis, uma tal metamorfose, compareceu em peso no cais, consentindo, num arroubo de fervor patriótico, ser acotovelada por uma multidão agitada e anónima semelhante à do quadro da guilhotina, que ali vinha assistir, impotente, à sua própria morte.»

Os Cus de Judas, António Lobo Antunes

#16

«Éramos peixes, percebe, peixes mudos em aquários de pano e de metal, simultâneamente ferozes e mansos, treinados para morrer sem protestos, para nos estendermos sem protestos nos caixões da tropa, nos fecharem a maçarico lá dentro, nos cobrirem com a Bandeira Nacional e nos reenviarem para a Europa no porão dos navios, de medalha de identificação na boca no intuito de nos impedir a veleidade de um berro de revolta.»

Os Cus de Judas, António Lobo Antunes

#17

«A guerra terminou há anos, o mundo é um lugar diferente, e todos aqueles que amei desapareceram. Vejo-lhes o rosto, no entanto, em cada uma das estrelas cadentes que se abatem sobre a neve e, ao contar os raios de luz que atravessam o céu, como vestígios de coisas passadas, sei que sempre vivi na escuridão.»

O Livro dos Homens Sem Luz, João Tordo

#18

«Todas as famílias têm alguns esqueletos no armário, mas os Vanger tinham um cemitério inteiro.»

Os Homens Que Odeiam As Mulheres (Millenium I),  
Stieg Larsson

#19

«Dito de outro modo, há que encarar a realidade: a vida é, basicamente, injusta. Mas, até mesmo numa situação injusta, julgo ser possível vislumbrar uma certa justiça. Como é evidente, pode demorar o seu tempo e exigir algum esforço. E talvez o resultado se anuncie em vão, para não dizer inútil. Cabe a cada um decidir se vale a pena ou não aspirar a esse tipo de justiça.»

Auto-retrato do escritor,  Haruki Murakami

#20

«Enquanto for vivo, de certeza que hei-de continuar sempre a fazer novas descobertas. Por mais que uma pessoa se dispa por completo, se ponha à frente de um espelho e ali se deixe estar, o seu interior nunca se deixará reflectir.»

Auto-retrato do escritor,  Haruki Murakami


#21

«Usámos o corpo um do outro como gratificação, apetece-me dizer: embora isto seja menos e mais do que verdadeiro. Porque a verdade é que, de repente, eu deixara de a conhecer e ela se encontrava perdida noutro lugar qualquer.»
Anatomia dos Mártires, João Tordo


#22

«Basta ao menos uma vez manter-me firme, e numa hora posso mudar todo o destino! O mais importante é o carácter. Lembrar-me apenas do que me aconteceu há sete meses em Roletenburgo, antes de ter perdido tudo. Oh, aquilo foi um caso notável de determinação: tinha perdido tudo, tudo... Ao sair do casino, descobri no bolso do colete um florim a agitar-se. «Ah, portanto ainda tenho com que jantar!»... pensei, mas, depois de ter dado uns cem passos, reconsiderei e voltei para trás. Coloquei esse florim no manque e, na verdade, há qualquer coisa de especial na sensação, quando sozinho, num país estrangeiro, longe da pátria, dos amigos, e sem saber o que se há-de comer hoje, se joga o último florim, o último dos últimos! Ganhei, e ao fim de vinte minutos saí do casino com cento e setenta florins no bolso. Isto é um facto! Aí está o que pode por vezes significar o último florim! Mas como seria se eu então tivesse desanimado, se não tivesse ousado decidir-me?...»

O Jogador, Fiódor Dostoievski



#23

«Perder cinco ou seis homens não tem qualquer importância, mas seria uma pena perder os botes.»

Kanikosen - O Navio dos Homens, Takiji Kobayashi


#24

«Na claridade do primeiro alvorecer, levantou-se. O céu estava muito limpo, transparente até às últimas e pálidas estrelas. Era um bonito dia para entrar em Lisboa, com bom tempo para lá ficar ou continuar viagem, logo veria. Meteu a mão ao alforge, tirou as botas arruinadas que em todo o caminho do Alentejo nunca calçara, e calçasse-as ele nesse mesmo caminho teriam ficado, e pedindo à mão direita habilidades novas, com o frouxo amparo que o coto, ainda em primeira aprendizagem, podia oferecer, conseguiu acomodar os pés, se pelo contrário não ia sacrificá-los em bolhas e roeduras, tão antigo era o hábito de andarem descalços, em sua vida de paisano, ou, no tempo militar, quando a impedimenta nem para jantar tinha sola, quanto mais para as botas. Não há pior vida que a do soldado.»
Memorial do Convento, José Saramago

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